quinta-feira, 28 de maio de 2009

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes

Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizíveldos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçurados que aceitam melancolicamente.
E posso te dizerque o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.

Vinícius de Moraes

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Moraes

Eu não existo sem você

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você
Assim como o oceano
Só é belo com luarAssim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você

Vinícius de Moraes

O amor, quando se revela...

O amor, quando se revela,Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela, Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

Mais Um na Multidão

Guarde segredo que te quero
E conte só os seus prá mim
Faça de mim o seu brinquedo
Você é meu enrêdo vem prá cá...
Te quero Hum! Te espero
Não, não vai passar o amor não falta estar...

Você pensa em mim eu penso em você
Eu tento dormir você tenta esquecer
Longe do seu ninho meu andar caminho
Deixo onde passo os meus pés no chão
Sou mais um na multidão...

O mar de sol no leito do lar
E nem um rio pode apagar
O amor é fogo
E ferve queimando
Estou ferido agora e sigo te amando
Você pode acreditar...
A mesma carta o mesmo verbo
Em sonho só viver prá ti
Quem tem a chave do mistério
Não teme tanto o mêdo de amar...
Me cego te enxergo
Não vai passar o amor não tarda estar...
Te quero hum! hum! Te espero
Não vai passar o amor não falta estar...

Um Amor Puro

O que há dentro do meu coração
Eu tenho guardado pra te dar
E todas as horas que o tempo tem pra me conceder
São tuas até morrer
E a tua história, eu não sei
Mas me diga só o que for bom
Um amor tão puro que ainda nem sabe
A força que temé teu e de mais ninguém
Te adoro em tudo, tudo, tudo
Quero mais que tudo, tudo, tudo
Te amar sem limites viver uma grande história
Aqui ou noutro lugar
Que pode ser feio ou bonito
Se nós estivermos juntos
Haverá um céu azul um amor puro
Não sabe a força que tem
Meu amor eu juro
Ser teu e de mais ninguém
Um amor puro

Pétala

O seu amor reluz que nem riqueza
Asa do meu destino, clareza do tino
Pétala de estrela caindo bem devagar...
Oh! meu amor! viver é todo sacrifício feito em seu nome
Quanto mais desejo um beijo, um beijo seu
Muito mais eu vejo gosto em viver Viver!
Por ser exato o amor não cabe em si
Por ser encantado o amor revela-se
Por ser amor invade e fim!!...


Cecilia Meireles

Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal, senãorodar também, e amar?Amar o que o mar traz à praia,e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,e na concha vazia do amor a procura medrosa,paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossaamar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade

As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionáriose a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amobastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)a cada instante de amor.

Carlos drummond

Esquinas

Só eu sei, as esquinas por que passei
Só eu sei só eu sei
Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar
Sabe lá Sabe lá
E quem será
Nos arredores do amor
Que vai saber reparar
Que o dia nasceu
Só eu sei
Os desertos que atravessei
Só eu sei Só eu sei Sabe lá
O que e morrer de sede em frente ao mar
Sabe lá Sabe lá
E quem será
Na correnteza do amor que vai saber se guiar
A nave em breve ao vento vaga de leve e trás
Toda a paz que um dia o desejo levou
Só eu sei As esquinas por que passei
Só eu sei Só eu sei
E quem será
Na correnteza do amor...

A doce canção

Pus-me a cantar minha pena
Com uma palavra tão doce,
De maneira tão serena,
Que até Deus pensou que fosse
Felicidade - e não pena.

Anjos de lira douradade
Debruçaram-se da altura.
Não houve, no chão, criaturade
Que eu não fosse invejada,
Pela minha voz tão pura.`

Acordei a quem dormia,
Fiz suspirarem defuntos.
Um arco-íris de alegria
Da minha boca se erguia
Pondo o sonho e a vida juntos.

O mistério do meu canto,
Deus não soube, tu não viste.
Prodígio imenso do pranto:
- todos perdidos de encanto,
só eu morrendo de triste!

Por assim tão docemente
Meu mal transformar em verso,
Oxalá Deus não o ausente,
Para trazer o Universo
De pólo a pólo contente!


Cecília Meireles

Eu Sei Que Vou te Amar

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Vinicios de Moraes
Dualismo

Não és bom nem es mau;és triste e humano..
Vives ansiando em maldições e´preces,
Como se a arder no coração tivesse,
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal padeces;
E rolando num vórtice vesano.
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperança e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações suplices,
Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz dos crimes.

E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito,
Um demônio que ruge e um deus que chora.

essas é uma das minhas favoritas, descreve perfeitamente a batalha que existe dentro de cada ser humano.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Não digas onde acaba o dia,
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs,
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a terra,
Onde termina o céu.
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde é Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pense, completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.

Cecilia Meireles

terça-feira, 26 de maio de 2009

Distante o meu amor se me afigura,
O amor como um patético tormento,
Pensar nele é morrer de desventura,
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura,
Todo o instante perdido é um sofrimento,
Cada beijo lembrado uma tortura,
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim,
E eu dela. enquanto breves vão-se os anos,
Para a grande partida que há no fim.

De toda a vida e todo o amor humano,
Mas tranquilo ela sabe, e eu sei tranquilo,
Que se um fica o outro parte a redimi-ló.

Vinicios de Moraes