quinta-feira, 28 de maio de 2009


Que pode uma criatura senão,entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,amar e malamar,amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,sozinho, em rotação universal, senãorodar também, e amar?Amar o que o mar traz à praia,e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,e na concha vazia do amor a procura medrosa,paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossaamar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade

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